terça-feira, 10 de agosto de 2010

A fome, de Rodolfo Teófilo


O livro “A Fome” é um retrato do Ceará contemporâneo. Quiçá do semi-árido nordestino e porque não dizer também do Brasil que passa fome. Ás vezes me pergunto se tal afirmação não seria um exagero de minha parte. O romance escrito pelo homem múltiplo que foi Rodolfo Teófilo, descreve fatos e cenas viscerais da Seca de 1877-1879 sob a égide da história de vida de uma família de retirantes que tem como patriarca o sertanejo Manuel de Freitas.

Lançado em 1890, o livro foi alvo de críticas dos seus coevos companheiros de pena que ao se depararem com uma linguagem extremamente exacerbada pela chama da Escola Naturalista, via na literatura de Rodolfo Teófilo um anacronismo sistêmico das forças de combate à enchente que ainda hoje, compelidas pelas políticas publicas governamentais, funcionam, ou pelo menos se dizem funcionando, através de um exercício cíclico de humilhação e favorecimento.

A cada página virada, novos temas e novas questões vem à tona. Cabe ao leitor perceber a infinidade de prospectos que são ensejados pelas linhas mais tênues apresentadas pelo autor. Seja na conversa entre marido e mulher ou nas cenas virtuais de fome e miséria descritas pelo autor, é possível identificar a necessidade de Rodolfo Teófilo em deixar claras as intempéries ocasionadas pelo fenômeno físico da seca e seus desdobramentos agravados pela interferência humana.

Ingenuamente sublevei-me várias vezes à consciência do autor, tentado enxergar sua necessidade de estampar já no título do seu romance a Fome. Ingênuo notei-me, porque talvez jamais consiga enxergar com tanta clareza os vários tipos de “fome” pelos quais suplicam nossa sociedade. Como foi dito, vários são os temas e inúmeros são os possíveis desdobramentos que cada um de nos leitores pode extrair da composição. O que me pareceu, portanto, foi que Rodolfo Teófilo quis tratar de uma fome que ultrapassa a estrutura humana e atinge um plano metafísico. Sob a égide dos mais horrendos cenários físicos que podem ser presenciados pela humanidade, sobressaem vários sentimentos. As personagens do Livro A Fome têm fome de pão, fome de justiça, fome de caridade, fome de sentimentos, fome de verdade.

A obra tem um caráter histórico visto que é possível através de sua leitura, reler os impropérios vividos pelo povo cearense durante a seca de 1877-1879; revela-se também sob um viés sociológico a medida que compreende a contribuição do homem por sobre o imagético já construído pela seca, depauperando ainda mais o quadro social posto.

Sem entretanto analogias, o livro difere da realidade num aspecto: o final, que não sei se posso dizer feliz, após tantas desventuras vividas pelos Freitas, conforta o leitor que verteu algum sentimento pela obra. Na vida real, entretanto, nós os protagonistas, nem sempre compartilhamos daquilo que os literatos imortalizaram como um “felizes para sempre”.

Um comentário:

  1. Como você mesmo frisa no texto, essa anormalia sociológica persiste nas veredas do sertão, sem que os sertanejos desgustem do "final feliz". Fiquei muito interessado em ler o tal livro. Ótimo texto, grande Mestre

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