sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ne me quitte pas

Por favor, leia até o final! Se quiser pule a parte em francês, contudo veja a tradução. Garanto: vais gostar! No post, você confere fotos de alguns monstros sagrados que cantaram esta linda música.

Ne Me Quitte Pas*
Jacques Brel

Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
À savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
À coups de pourquoi
Le coeur du bonheure
Ne me quitte pas (x4)


A musa Carla Bruni

Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine
Ne me quitte pas (x4)


A novata, porém incrível Maria Gadú

Ne me quitte pas
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants là
Qui ont vu deux fois
Leurs coeurs s'embrasser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas (x4)


A diva brasileira da segunda metade da década de 1970, Maysa

On a vu souvent
Rejaillir le feu
De l'ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quite pas (x4)


O criador da poesia, Jacques Brel

Ne me quite pas
Je ne veux plus pleurer
Je ne veux plus parler
Je me cacherai là
À te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas (x4)


A inconfundível e impressionante, Nina Simone

TRADUÇÃO - Não me deixes

Não me deixes,
É preciso esquecer,
Tudo se pode esquecer
Que já para trás ficou.
Esquecer o tempo
dos mal-entendidos
E o tempo perdido
a querer saber como
Esquecer essas horas,
Que às vezes mata,
A golpes de porque,
o coração de felicidade.
Não me deixes (4x)


A impressionante cantora Francesa, Frida Boccara

Te oferecerei
Pérolas de chuva
Vindas de países
Onde nunca chove;
Escavarei a terra
Até depois da morte,
Para cobrir teu corpo
Com ouro, com luzes.
Criarei um país
Onde o amor será rei,
Onde o amor será lei
E você a rainha.
Não me deixes (4x)


O rei, magnífico, Roberto Carlos

Não me deixes
Te Inventarei
Palavras absurdas
Que você compreenderá;
Te falarei
Daqueles amantes
Que viram de novo
Seus corações atados;
Te contarei
A história daquele rei,
Que morreu por não ter
Podido te conhecer.
Não me deixes (4x)


As expressivas Alcione e Ângela Rô Rô

Quantas vezes não se
reacendeu o fogo
Do antigo vulcão
Que julgávamos muito velho
Até há quem fale
De terras queimadas
A produzir mais trigo;
Que a melhor primavera
E quando a tarde cai,
Para que o céu se inflame.
O vermelho e o negro
Não se misturam
Não me deixes (4x)


A maior de todas, Edith Piaf, La Môme.

Não me deixes.
Não vou mais chorar,
Não vou mais falar,
Escondo-me aqui
Para te ver
Dançar e sorrir,
Para te ouvir
Cantar e rir.
Deixa-me ser
a sombra da tua sombra,
A sombra da tua mão,
A sombra do teu cão.
Não me deixes (4x)

Vale a pena gastar vossa conexão:

http://www.youtube.com/watch?v=i2wmKcBm4Ik
O vídeo mostra Jacques Brell, compositor da bella chanson francesa.

Forte abraço a todos!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Edite, um sol que se põe



O pôr-do-sol de uma diva*

Nesta quarta-feira, 18 de abril de 2007, Jaguaruana acordou diferente. Fecharam-se para sempre os olhos de Edite Moreira Barreto.
Que acordes tocar neste momento? Que notas poderiam me expirar para escrever qualquer texto sobre dona Edite?
Penso que apenas as notas da memória. Uma memória que mesmo saudosa que jamais vai dar a esta maestrina o tom do esquecimento.
Dona Edite dedicou toda sua vida à educação e à música. À frente da escola Manuel Sátiro, com sua fiel escudeira, Dona Julieta Melo, ou debruçada nas melodias entoadas no órgão da matriz de Sra. Sant’Ana, sua imagem é inigualável e presença incontestável nas lembranças de todos os moradores de Jaguaruana.
Quantas festas de padroeiro terão sido? Quantas semanas santas? Quanto acordes, quantas notas musicais...
A figura da mulher prendada, imagem da família ajustada de boa educação reproduzia-se no semblante da jovem Edite que tocava piano na sala de sua casa. Eu mesmo, por diversas vezes, escondi-me, do lado de fora da varanda, para ouvir, religiosamente às 18:00h, as mais belas canções, tocadas por ela, sozinha, na maioria das vezes, sem platéia. Seu público era a rua, o patamar da igreja, que insistia em encher-se de belas valsas ou admiráveis boleros, clássicos ou não.
Há muito, seus acordes havia deixado saudades. Nós, os substitutos, bem que tentávamos. Sempre tentamos. Incontáveis foram às vezes, que, na igreja, cantando, ouvi, o clamor por Dona Edite. Mesmo seus melhores discípulos – Marcelo, Nezita – sempre sentiram a falta da mestra, que repousava, ali ao lado, ouvindo nossos excessos e nossos possíveis acertos.
Sempre me perguntei o que um ouvido perfeito, acostumado com a suavidade do instrumento litúrgico por natureza – o órgão – pensava sobre os acordes do violão, guitarra, dos tons, por vezes, de uma tão sonora bateria, eletrônica ou mesmo acústica.
Sei que, mesmo não muito propensa às novas tecnologias, Dona Edite ainda ensaiou alguma notas no teclado eletrônico de Nezita numa das últimas festa de Sant’Ana acompanhada por sua regência musical.
Cheio de saudades tenho vontade de cantar para dona Edite. Mas sem conseguir tal fato, evoco aos anjos e aos querubins que a recebam e ao seu piano ao som de cítaras e coros celestiais, que a convide para pisar num chão de notas musicais.


Texto escrito há três anos, em homenagem à Edite Moreira Barreto, maior musicista da história do Município de Jaguaruana.

* Escrito originalmente para a Coluna Outras Palavras, do Site Planeta Agito.

Em http://singrandohorizontes.wordpress.com/category/escritores/a-escritora-com-a-palavra/ é possível encontrar extraordinário texto de Vicência Jaguaribe sobre Dona Edite.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Por que assistir Chico Xavier, o filme.



Saindo da criança cheia de birra que ainda habita em mim, que diria simplesmente "Porque sim!", sou capaz de enxergar vários motivos para justificar uma saída de casa, na segunda, à noite para assistir a maior bilheteria dos últimos tempos do cinema nacional.

Chico Xavier, filme de Daniel Filho, produção da Globo Filmes, O2, Estação da Luz e Lereby, tem o roteiro assinado por Marcos Bernstein, sendo o filme baseado na obra “As Vidas de Chico Xavier”, do jornalista Marcel Souto Maior.

As interpretações de NELSON XAVIER, que interpreta Chico Xavier entre os anos de 1969 a 1975; ÂNGELO ANTÔNIO que dá vida ao médium no processo de efetivação de sua prática espírita, no anos de 1931 a 1959 e do pequeno MATHEUS COSTA que faz Chico ainda menino, entre os anos de 1918 a 1922, nos conduzem numa linha temporal sobre a atuação da doutrina espírita no Brasil que vai do repúdio e condenação, passando pelo clamor e procura por causa do desespero até aos tempos da curiosidade e da admiração.

O filme é feito para isso: tornar a atuação de Chico Xavier no país, algo gigantesco, talvez maior do que o próprio espírita desejasse, ou mesmo contrário ao ensinamentos que a doutrina espírita apregoa. Na película, um pouco deste sentimento pode ser visto no próprio Chico quando demonstra parte de sua vaidade pessoal ao usar peruca, por conta de sua aparição na tv.

Sim, a importância da Televisão...

O filme se desenrola a partir da participação de Chico Xavier no programa Pinga-fogo, exibido ao vivo no dia 28 de julho de 1971, na extinta TV Tupi. Os vídeos que podem ser encontrados facilmente no you tube, mostram como Daniel Filho e sua equipe procuraram costurar ao roteiro do filme, as explicações dadas por Chico aos jornalistas da bancada sobre diversos temas espíritas como a reencarnação, a psicografia, as operações e tratamentos espirituais no sono, a cremação de corpos, entre outros.


Disse-me um amigo, espírita, que foi o programa de TV que deu projeção nacional para as atividades que Chico realizava em Uberaba. Estima-se que mais de 20 milhões de pessoas viram as explicações do médium naquela ocasião, o que fez a TV Tupi convidá-lo novamente para uma apresentação em 21 de dezembro de 1971, num especial de fim de ano.

Para mim, que não sou espírita, o filme só tem um defeito: reproduzir o caminho no qual se busca neste país a doutrina espírita com mais frequência: o caminho da dor. As personagens de Tony Ramos e Cristiane Torloni, Orlando e Glória, respectivamente, pais do jovem morto acidentalmente pelo colega, procuram conforto nas cartas psicografadas por Chico. Recebem mais que isso, é verdade, contudo minha crítica permanece.

O filme, talvez não intencionalmente, corrobora com ideia que tenho de que a maioria das pessoas procuram a doutrina espírita para obter respostas num momento de extrema dor, saudade, perda e tristeza. Pouco sei sobre a doutrina espírita, mas já compreendi que, além do que se procura na maioria das vezes, ela tem muito a dar.

Mesmo sendo católico por formação, ouso dizer que as pessoas precisam conhecer o ideal de mundo, de ser humano, de caridade e salvação que o espiritismo divulga desde sempre e principalmente após a codificação feita por Allan Kardeck, na segunda metade do século XIX.

Por fim, resta-me apenas dizer que sim, o filme vale cada centavo do ingresso.

Sobre as opiniões que declinei, gostaria de ler alguns comentários!

Forte abraço a todos os amigos!

Kamillo Silva

Reproduzindo coisas boas...

Editorial, na íntegra, enviado pela diretoria da ANPUH no dia 2 de abril de 2010, abordando o tema da regulamentação da profissão de historiador.


Por que somos favoráveis à regulamentação da profissão de historiador?

No último dia 10 de março foi aprovado em caráter terminativo na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal o projeto de lei n. 368/2009 de autoria do Senador Paulo Paim que regulamenta a profissão de historiador. O projeto segue agora para a Câmara Federal onde deverá ser analisado.

No processo de mobilização para a votação desta proposta surgiram algumas vozes discordantes em relação à regulamentação da profissão. Respeitamos profundamente a opinião de todos aqueles que adotaram tal posição. Uma democracia é feita através da manifestação livre de todas as ideias, do debate público e qualificado de todas as posições, por isso apresentamos a seguir o ponto de vista que pautou a atuação da atual diretoria da ANPUH – Associação Nacional de História quando do processo de votação dessa matéria e que pautará sua atuação agora que o projeto tramitará na Câmara dos Deputados.

O que significa regulamentar? Significa definir legalmente os contornos do exercício profissional, significa fixar requisitos para que esse exercício se faça, significa precisar as competências e as habilidades que o profissional deve ter para exercer uma dada profissão, ou seja, regulamentar significa dar estatuto legal a uma profissão, significa o Estado reconhecer a sua existência e, portanto, significa dar uma identidade jurídica e pública ao exercício de uma dada profissão. Regulamentar, em síntese, significa passar a existir de fato e de direito como profissional.

Para a ANPUH a regulamentação da profissão de historiador significa, portanto, o reconhecimento social e jurídico do historiador como um profissional, a quem passa-se a atribuir dados direitos e dadas obrigações perante a sociedade. Para nós, o Estado brasileiro milita em uma contradição ao não reconhecer a profissão de historiador e, ao mesmo tempo, regular, reconhecer e avaliar cursos universitários que formam profissionais nesta área. Se o Estado reconhece que para ser historiador é preciso ter uma dada qualificação, que deve-se exigir determinadas habilidades e competências definidas nos Projetos Político-Pedagógicos dos cursos de História por ele aprovados, deve reconhecer também que nem todo mundo pode ser historiador e, portanto, é preciso que uma lei defina os contornos de nossa profissão. O mesmo raciocínio se aplica àqueles que são habilitados por diplomas de cursos superiores para atuarem na área de História e àqueles que estão nos bancos escolares das instituições de ensino superior cursando História: como podem ser contrários ao reconhecimento legal daquilo que fazem, como podem ser contrários que se definam limites para o exercício profissional, como podem ser contrários a que o Estado reconheça sua existência como profissional com uma qualificação específica que lhe confere a competência para o exercício de dadas atividades? A ANPUH é favorável à regulamentação e, não poderia ser diferente, porque quer que os profissionais que representa tenham existência jurídica, sejam reconhecidos pelo Estado e pela sociedade brasileira.

A Constituição Federal em seu artigo quinto, inciso décimo terceiro, define que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendida à qualificação profissional que a lei estabelecer. A lei que regulamenta a profissão de historiador nada mais faz do que cumprir o mandato constitucional definindo que qualificação deve ter aquele que exerce esta atividade: a exigência de diploma de curso superior em História, ou diploma de Mestrado e Doutorado em História. Este mesmo artigo da Constituição Federal prevê que no interesse da sociedade pode-se criar restrições a esta ampla liberdade de exercício profissional, quando ela possa causar sérios danos à sociedade. Entendemos que o exercício do ensino e da pesquisa em história feito por profissionais não habilitados causa sério dano à sociedade, à medida que não se tem um ensino e uma pesquisa de qualidade, feitas com as necessárias competências e com os necessários conhecimentos teóricos e práticos.

O movimento em torno da regulamentação das profissões remonta ao imediato pós-Segunda Guerra Mundial, como resposta às crescentes demandas dos trabalhadores pelo reconhecimento de seus direitos. Ele é contemporâneo e está relacionado à criação da Organização Internacional do Trabalho, do estabelecimento das primeiras convenções da OIT, da emergência dos Estados de Bem-Estar Social. No Brasil, foi neste contexto que as primeiras profissões foram regulamentadas. Tendo como exceção a profissão de leiloeiro que foi regulamentada ainda em 1932, a maioria das profissões consideradas de maior prestígio social foi regulamentada ente as décadas de 1940 e 1960: contabilista (1946), economista (1951), químico (1956) médico (1957), geólogo (1962), psicólogo (1962), estatístico (1965), farmacêutico (1966) , engenheiro, arquiteto e agrônomo (1966), jornalista (1969), entre outras. Ao contrário, portanto, do que alguns afirmam, a regulamentação profissional não é um tema do discurso ou da “ideologia neoliberal”. O neoliberalismo, pelo contrário, vem sendo responsável pela crescente resistência por parte do Congresso Nacional e por parte do Judiciário brasileiro em regulamentar as profissões. O episódio recente da desregulamentação da profissão de jornalista por parte do Supremo Tribunal Federal a pedido dos grandes grupos econômicos que dominam os meios de comunicação do país é exemplar da prevalência desta forma de pensamento em setores das elites brasileiras. Um dos princípios fundamentais do neoliberalismo é, justamente, o da flexibilização e da desregulamentação profissional, levando a uma precarização do trabalho e à possibilidade do pagamento de salários mais baixos a profissionais ditos flexíveis ou despreparados.

Por isso, a ANPUH é favorável à regulamentação profissional. Ela vai na contramão da vaga neoliberal que aposta na precarização jurídica das profissões visando a aviltar as condições de trabalho e de exercício profissional, permitindo a maximização dos lucros das empresas que contratam estes profissionais. Quem conhece a realidade das empresas de educação, do ensino privado e mesmo do ensino público, em dadas áreas do país, sabe que a regulamentação de nossa profissão é não só uma necessidade premente, como sabe que danos esta não regulamentação causa aos nossos profissionais. Não é mera coincidência que a bancada ligada ao ensino privado no Congresso Nacional seja reativa a qualquer iniciativa que vise a regulamentar profissões como a nossa. Como o próprio projeto aprovado no Senado reconhece, sem a regulamentação fica-se sujeito a que pessoas não qualificadas tecnicamente ou não habilitadas para o exercício profissional do ensino, da pesquisa, da assessoria, do planejamento e da gestão na área da História possam ser contratadas para exercer estas atividades mediante uma remuneração aviltada em seus valores.

A luta pela regulamentação da profissão de historiador já se arrasta por quarenta e dois anos, desde 1968 (no site da ANPUH está disponível um dossiê que historia todo este tortuoso processo). Nove projetos neste sentido já foram apresentados à Câmara dos Deputados. E há quem diga que não ocorreu ainda o necessário debate, que adotamos uma posição pragmática e de afogadilho. Cremos que as instituições, notadamente aquelas que agrupam historiadores ou futuros historiadores, devem possuir memória. Não se pode a cada nova diretoria eleita começar-se o debate sobre dadas questões como se não houvesse toda uma história de lutas anteriores. Sabemos que as posições podem ser modificadas mediante novas conjunturas, mas mesmo nesse caso deve-se levar em conta a trajetória anterior da instituição. No âmbito da ANPUH há toda uma história de debates em torno da regulamentação profissional. Diretorias anteriores participaram ativamente do debate e da elaboração de propostas neste sentido. Em nenhuma instância oficial da entidade foi votada e aprovada posição contrária à regulamentação, portanto, cabia a esta diretoria, quando surgiu a iniciativa vinda do Senado, se empenhar para sua aprovação. Mediante carta aberta a toda a comunidade de historiadores, a Associação deixou clara qual seria sua estratégia, ou seja, a de não propor qualquer modificação no texto neste momento. Fazer política requer perceber os momentos favoráveis, definir estratégias viáveis, sob pena de nunca se conseguir o que se quer. Avaliamos que o contexto era favorável, mas por estarmos num ano eleitoral, se a votação não ocorresse este semestre não seria feita este ano e sendo o final de uma legislatura, o projeto não sendo aprovado em 2010, seria arquivado, tal como manda o Regimento Interno do Senado. Esta é a situação do projeto que tramita atualmente na Câmara dos Deputados. Ele caminha para ser arquivado ao final do ano com o fim da legislatura sem que sequer tenha recebido um parecer favorável ou contrário dos sete relatores que já foram para ele designados. Ter um projeto aprovado no Senado era estrategicamente fundamental, pois, agora, ele não pode mais ser arquivado ao final das legislaturas. A Câmara terá que obrigatoriamente analisá-lo, se posicionando contra ou a favor. Podemos agora prosseguir o debate em torno de um projeto já aprovado para aperfeiçoá-lo. Uma circular neste sentido foi enviada a todas as nossas Seções Regionais, solicitando que a regulamentação seja tema de discussão e deliberação nos Encontros Estaduais da ANPUH, que ocorrerão este ano, onde todas as posições poderão ser colocadas.

Consideramos que a regulamentação da profissão de historiador é uma questão de justiça e de equidade de direitos, já que outras profissões da mesma natureza que a nossa já foram regulamentadas, algumas das quais mantendo clara interface com as atividades que exercemos, como por exemplo, as profissões de geógrafo, de sociólogo, de museólogo e de arquivista. Somos uma das áreas de formação profissional mais antiga do país e com uma importância social indiscutível, já que exercemos nossa atividade no âmbito da educação, da cultura, da memória, do patrimônio histórico e artístico que são áreas de interesse social prioritário. O Congresso Nacional aprovou recentemente a regulamentação de profissões como de enólogo (2007), garimpeiro (2008,) oceanógrafo (2008), bombeiro civil (2009), moto taxista e moto boy (2009) e turismólogo (2010), o que reforça a nossa reivindicação em torno do reconhecimento profissional de uma categoria das mais numerosas do país.

O projeto aprovado tem o mérito, a nosso ver, de ser singelo e, ao mesmo tempo, de garantir a maioria das nossas históricas reivindicações. Somos de opinião de que um projeto de lei quanto mais detalhado, buscando a situação ideal e prevendo todas as situações particulares possíveis de ocorrer, favorece aqueles que são contrários à regulamentação no Congresso Nacional, pois quanto mais detalhado é um projeto mais ele abre margem para ser contestado. Às vezes um pequeno dispositivo pode favorecer a contestação e a derrubada do projeto. Cremos que a concisão e a objetividade são um dos méritos da proposta aprovada. Ao mesmo tempo ele garante reivindicações históricas nossas como: o reconhecimento de que o historiador é tanto o bacharel quanto o licenciado em história; reconhece como atribuições do historiador não só a pesquisa e o ensino de história, mas o planejamento, a organização, a implantação e a direção de eventos ou exposições que envolvam temas históricos; a assessoria na avaliação e seleção de documentos para fins de preservação; a emissão de pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos e que os estabelecimentos que prestam serviços na área de História deverão manter em seus quadros profissionais habilitados nesta área. Há manifestações de apreensão quanto aos desdobramentos burocráticos e de controle que a regulamentação implica. É sabido que a institucionalização da profissão conduz ao reconhecimento profissional, significa existirmos enquanto profissão, podendo, por exemplo, ser realizados concursos específicos para provimento do cargo de historiador em instituições públicas e privadas, o que não pode ocorrer enquanto não tivermos a profissão regulamentada. O projeto aprovado reserva o provimento de cargos, funções ou empregos de historiador aos portadores de Diplomas de graduação, mestrado ou doutorado em história. Isso implica o necessário registro profissional que, no projeto aprovado no Senado Federal, deverá ser feito junto às Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego do local onde o profissional irá atuar, ou seja, a única burocracia que a regulamentação profissional trará será a de ter o historiador que comparecer, após o término da graduação ou do curso de pós-graduação que o habilita como profissional de história, munido do diploma, à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e registrar-se como profissional. O projeto não prevê e nem a ANPUH pensa em reivindicar a criação de Conselhos Nacional e Regionais para fiscalizar o exercício da profissão, muito menos a realização de uma prova como a exigida pela OAB para a concessão do registro profissional. A ANPUH não pretende tornar-se órgão de fiscalização profissional e sim continuar sendo entidade de representação profissional. Os profissionais de História, atuando no ensino ou na pesquisa, já são submetidos a constantes processos de avaliação de suas habilidades e competências. Para a entrada no serviço público, seja em que nível for, são submetidos a concursos públicos e seu desempenho é acompanhado pelas diferentes modalidades e formas de avaliação do ensino e da pesquisa instituídas pelos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Mesmo atuando na iniciativa privada, o profissional de história já está sujeito a periódicas avaliações, o que torna sem qualquer sentido a criação de instâncias de controle do desempenho. Os problemas éticos e jurídicos que podem envolver a atuação dos profissionais de história quando não já estão previstos na legislação, podem ser objeto de um código de ética específico, em debate atualmente no âmbito da ANPUH, sem que para isso seja necessária a criação de um aparato burocrático específico.

A luta pela regulamentação da profissão significa, portanto, para a ANPUH, a luta pelo reconhecimento profissional, a luta pela cidadania plena dos historiadores, a luta pela dignidade no exercício da profissão, o que não está em desacordo com a solidariedade necessária à luta de todos os trabalhadores pela dignidade do próprio trabalho e por seus direitos, mas, pelo contrário, é um capítulo desta luta, à medida que combate a precarização do trabalho, a desregulamentação das profissões, que só pode aparecer como um paraíso cor-de-rosa àqueles que defendem posições românticas e desligadas de uma análise mais atenta da realidade, já que não existe ordem social desinstitucionalizada ou possibilidade de se estar completamente fora do ordenamento social. O que não está institucionalizado, o que não está instituído nem por isso deixa de estar submetido ao ordenamento social, só que quase sempre de forma subalterna. Não estar regulamentado profissionalmente nada tem que ver com liberdade do trabalho, - a não ser com a liberdade do liberalismo que sabemos a quem serve -, mas quase sempre com uma subordinação e uma subalternidade ainda maior. Não somos contrários ao reconhecimento como historiadores, inclusive por parte da lei, com a proposição de uma emenda ao projeto aprovado no Senado, quando da tramitação na Câmara, daqueles profissionais com outras formações que militam há certo tempo, a ser definido em nossas discussões, no campo da história ou que possuem notório saber, adquirido através de uma prática durante anos, em nossa área do conhecimento. Mas somos contrários a que qualquer pessoa, sem a menor qualificação profissional, possa se dizer historiador e ocupar cargos, funções e empregos que devem ser reservados aos profissionais habilitados nesta área. Somos favoráveis à regulamentação da profissão porque valorizamos o trabalho que fazemos, porque sabemos todo o esforço que empreendemos para formar profissionais nesta área, porque como profissionais em atividade sabemos quão árdua foi toda a preparação que tivemos que fazer para exercer o nosso ofício com competência e com conhecimento de causa. Ser contrário à regulamentação é afirmar publicamente, para toda a sociedade, que nossa formação é dispensável, que os cursos que fizemos são desnecessários, que as habilidades e competências que tivemos que desenvolver mediante horas de estudo, de dedicação e de trabalho podem ser acessíveis a qualquer amador que se arvorar a freqüentar os arquivos e se dispor a ministrar aulas de história.