domingo, 20 de maio de 2012

Mesa da comunhão - Uma breve história



Esta semana vivemos momentos atípicos em nossa cidade por causa de uma foto do altar principal da Igreja de Santana em Jaguaruana, inicialmente postada pelo jovem Daniel Santiago, compartilhada por mim e mais de 45 amigos e comentada por inúmeros usuários do facebook, moradores, filhos de Jaguaruana e até mesmo muitas pessoas de outras cidades e países.

A força das redes sociais e os comentários – às vezes contidos e objetivos, às vezes ácidos e incisivos, fez nosso querido pároco, Pe. Raimundo Barbosa, manifestar-se nas rádios locais. Em entrevista aos repórteres Augusto Marques da União Fm e Iranildo Silva da Popular Fm, Pe. Raimundo esclareceu suas intenções e comentou a polêmica.

Com muita educação, assumiu que a ideia de retirar a mesa da comunhão é antiga, mas havia dois anos que não tocava no assunto, portanto não sabia de onde teria se originado tal polêmica. Sem citar nomes, esclareceu que há muito mais de história da igreja por trás do assunto, que os comentários postados nas redes sociais. Segundo o padre, a mesa da comunhão representa uma época da igreja em que a assembléia em geral e principalmente as mulheres não podiam se aproximar do altar principal. Teria sido uma determinação do bispo diocesano Dom José Haring aumentar o espaço do presbitério, daí a ideia da demolição das grades de separação do altar.

Ressurgida a polêmica, padre Raimundo resolveu se pronunciar. Após salientar que os comentários vinham de pessoas que não frequentavam a igreja, que não conheciam a história e que se apegavam tão somente a coisas do passado, concluiu que há outros assuntos de maior relevância que deveriam ser tratados nas redes sociais e que os paroquianos não deveriam perder tempo com uma coisa tão pequena.

Declarações sobre historiadores à parte, resolvi estudar a história da mesa da comunhão. Descobri num fórum na internet uma ampla discussão sobre a Comunhão de Joelhos. O fórum, alimentado por estudiosos da igreja, padre e seminaristas refere-se justamente à temática que envolve as resoluções tomadas pelo Concílio Vaticano II, citadas pelo Padre Raimundo na entrevista à União FM. Transcrevo alguns trechos deste fórum abaixo.
Antes do Vaticano II, as igrejas tinham vários altares (algumas ainda têm; a matriz de Santana em Jaguaruana, por exemplo, tem três), o padre ficava de frente para o altar e, consequentemente, de costas para o povo, a missa era celebrada em latim, bem como seus cânticos. A comunhão era obrigatoriamente de joelhos e diretamente na boca. Por isso, havia nas igrejas diversas mesas da Comunhão. Em Jaguaruana temos apenas uma, mas em igrejas mais antigas, como no caso da Matriz de São José, na cidade de Bezerros (Pernambuco), havia quatro Mesas da Comunhão: a primeira, que ainda hoje existe, separa o presbitério da nave da igreja; a segunda, que também ainda existe, separa a capela do Santíssimo Sacramento da nave da igreja e as outras duas dividiam a nave da igreja em três espaços. Depois do Concílio Vaticano II, outras formas de receber a comunhão foram acrescentadas, como receber a partícula na mão. Então, estas duas últimas mesas da comunhão– as que dividiam a igreja em Pernambuco– foram retiradas.

Segundo nos conta o professor Flávio Roberto Brainer, participante deste fórum, “cada mesa da comunhão era uma espécie de varanda que se estendia de um lado a outro da igreja, contendo um genuflexório* em toda a sua extensão, onde os fiéis vinham receber a comunhão de joelhos. Era forrada pelos acólitos com uma toalha de linho puro momentos antes da comunhão, sendo retirada antes dos ritos finais para a devida purificação. As pessoas mantinham um respeito muito grande pela mesa da comunhão, de modo que ninguém nela se encostava nem a tocava, uma vez que era sagrada. Tinha, portanto, um grande significado litúrgico que enriquecia a celebração Eucarística da Ceia do Senhor”, afirma.

Lembro-me bem que minha mãe não me deixava sentar na mesa da comunhão. Nem sequer apoiar-me. Lembro das inúmeras polêmicas sobre as pessoas assistirem missa sentadas por sobre a edificação. A discussão não é de hoje.

O que me chamou atenção foi o tamanho da repercussão. Nunca imaginei que o assunto tivesse tamanho alcance e, ao contrário do que disse, o vigário, profundidade. Se é algo tão pequeno e sem importância, por que tantas pessoas se manifestaram? Mesmo não tendo legitimidade nenhuma, mesmo desconhecendo a história, mesmo não participando das missas, por que tantos jovens e adultos de Jaguaruana quiseram compartilhar e comentar o assunto?

À guisa de uma conclusão, respondo da seguinte maneira: as pessoas se importaram com o tema. De uma forma ou de outra, nossas histórias de vida passam pelos espaços da Matriz de Santana. Tenham no seu currículo apenas uma missa por semana ou todos os trabalhos pastorais possíveis na igreja, as pessoas que se envolveram nessa discussão, antes mesmo de conhecimento acerca da história, tem sentimentos e se emocionaram com a possibilidade da retirada da mesa da comunhão.

Por fim, é preciso dizer que mesmo não vivendo numa democracia, mas num espaço pastoral, como salientou o vigário, a igreja é um lugar de memória e qualquer modificação em sua estrutura física deveria ser amplamente discutida, pelo menos com seus frequentadores. É preciso respeitar opiniões divergentes e é necessário que se respeite também, pois, como nos ensinou Cristo, através dos evangelhos, para Deus, nosso Pai, tudo é importante; Ele se preocupa com a sua criação e cuida dela desde as menores criaturas. Até os cabelos de nossas cabeças estão contados. (Mateus 10:29-30). Como seres humanos, cheios de falhas, deixamos muita coisa passar, mas Deus, que é perfeito em tudo, tudo sabe, tudo vê, pois Seus olhos estão sobre os caminhos de cada um nós, e Ele vê todos os nossos passos (Jó 34:21).

*Genuflexório: Peça de madeira fixa ou móvel usado nas igrejas, geralmente na parte de trás do banco, para que os fiéis possam ajoelhar-se e rezar. Lembro-me, na infância de ver várias peças desta natureza na igreja de Santana. Quem tinha condições, mandava fazer a sua e as identificava – a peça geralmente tinha uma placa que indicando a quem pertencia; quem não tinha dinheiro, recebia a sagrada Eucaristia na mesa da comunhão.

Fique por dentro da discussão ao redor do mundo, leia:

http://fratresinunum.com/2009/10/05/no-que-tange-a-santa-comunhao-impera-uma-grande-necessidade-na-igreja/

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Jaguaruana cuida de seus lugares de memória?

Passei este último final de semana em Jaguaruana. O objetivo da família era viver o dia das mães ao lado da minha querida avó materna, nossa pequena borboleta, Marieta Camilo. Minha esposa foi ver sua mãe e eu tinha a companhia da minha e de meu pai. Foi muito bom. Mas sempre que volto à Jaguaruana, aproveito para ver o maior número de amigos. Nunca dá para ver todo mundo, mas não perco a oportunidade de abraçar o maior número possível.

Aproveitei também para rever os lugares da minha infância, juventude e início da vida adulta e profissional. Passeei na Praça Francisco Jaguaribe – praçinha da igreja, participei da missa dominical na matriz de Senhora Sant’Ana, estive na Escola Manuel Sátiro durante a excelente e animada festa das mães do Colégio UNIC e visitei a instalações do CECA – Centro Educacional Cônego Agostinho.

Quando vi a parte do Cônego Agostinho localizado à Av. Simão de Góis, entendi que o tempo tem passado, mas mesmo diante de tantas lições, parece que não aprendemos com os diversos exemplos que a vida insiste em nos dar. Deparei-me com a construção do que julgo serem dois pontos comerciais no lugar onde antes funcionava uma sala de aula do referido colégio.

Digo, julgo, porque o estilo que se apresenta a construção em nada lembra um centro de pastoral, de convivência religiosa ou mesmo uma escola dominical, como se veiculou um dia que se tornaria o prédio do CECA. Foi um choque, mas mesmo assim busquei compreender tal empreendimento. Não consegui.

Minha falta de perspicácia foi logo aviltada pela lembrança da febre que dominou o Brasil nas décadas de 1980 e 1990. Nestes tempos, vários prédios históricos foram demolidos no país inteiro para dar lugar a outros equipamentos de natureza mais rentável, do ponto de vista financeiro. Foram inúmeros cinemas, escolas, sede de antigas entidades classistas e até religiosas que se tornaram shoppings, igrejas e estacionamentos.

Jaguaruana parece ser uma cidade onde a novidade está constantemente tomando o lugar das coisas antigas. A parti do que vi, penso que o passado e o presente são personagens de um imenso conflito. O resultado desta disputa, muitas vezes, é apenas o vazio que fica quando algo antigo desaparece. Não se percebe que o “novo” não pode ser eternamente novo. Ele também se torna velho, e um dia, simplesmente, pode desaparecer.

A repórter Ana Cecília Soares, referindo-se à Fortaleza, em matéria publicada no Diário do Nordeste em 19 de setembro de 2009 disse: “A memória não é feita só de pessoas, personagens e cenas. Lugares como praças, prédios, casas e monumentos também são carregados de lembranças. Há muito de “carne”, afeto e histórias cravadas em meio ao concreto.” Para ela, as edificações participam da formação da identidade de um povo, contam-nos uma parte importante das relações entre cidades e seus habitantes. E eu acredito estritamente nisso! Acho que a lição serve para Jaguaruana também.

Foi triste demais ver o que vi. E senti mais: o conjunto da população parece não se importar muito. Todos ficam atônitos com a novidade, mas no lugar da dúvida, do questionamento e posteriormente da repulsa, parece que as pessoas ficam entorpecidas com o novo.

Precisamos preservar nossa memória coletiva, nosso patrimônio material e imaterial e não devemos permitir que as coisas apenas se desfaçam com o passar do tempo. Se permanecermos assim, logo mais correremos o risco de não saber mais quem somos.

Publicado originalmente em
http://www.jaguaruananews.com/colunas/234-jaguaruana-cuida-de-seus-lugares-de-memoria.html