terça-feira, 20 de abril de 2010

Edite, um sol que se põe



O pôr-do-sol de uma diva*

Nesta quarta-feira, 18 de abril de 2007, Jaguaruana acordou diferente. Fecharam-se para sempre os olhos de Edite Moreira Barreto.
Que acordes tocar neste momento? Que notas poderiam me expirar para escrever qualquer texto sobre dona Edite?
Penso que apenas as notas da memória. Uma memória que mesmo saudosa que jamais vai dar a esta maestrina o tom do esquecimento.
Dona Edite dedicou toda sua vida à educação e à música. À frente da escola Manuel Sátiro, com sua fiel escudeira, Dona Julieta Melo, ou debruçada nas melodias entoadas no órgão da matriz de Sra. Sant’Ana, sua imagem é inigualável e presença incontestável nas lembranças de todos os moradores de Jaguaruana.
Quantas festas de padroeiro terão sido? Quantas semanas santas? Quanto acordes, quantas notas musicais...
A figura da mulher prendada, imagem da família ajustada de boa educação reproduzia-se no semblante da jovem Edite que tocava piano na sala de sua casa. Eu mesmo, por diversas vezes, escondi-me, do lado de fora da varanda, para ouvir, religiosamente às 18:00h, as mais belas canções, tocadas por ela, sozinha, na maioria das vezes, sem platéia. Seu público era a rua, o patamar da igreja, que insistia em encher-se de belas valsas ou admiráveis boleros, clássicos ou não.
Há muito, seus acordes havia deixado saudades. Nós, os substitutos, bem que tentávamos. Sempre tentamos. Incontáveis foram às vezes, que, na igreja, cantando, ouvi, o clamor por Dona Edite. Mesmo seus melhores discípulos – Marcelo, Nezita – sempre sentiram a falta da mestra, que repousava, ali ao lado, ouvindo nossos excessos e nossos possíveis acertos.
Sempre me perguntei o que um ouvido perfeito, acostumado com a suavidade do instrumento litúrgico por natureza – o órgão – pensava sobre os acordes do violão, guitarra, dos tons, por vezes, de uma tão sonora bateria, eletrônica ou mesmo acústica.
Sei que, mesmo não muito propensa às novas tecnologias, Dona Edite ainda ensaiou alguma notas no teclado eletrônico de Nezita numa das últimas festa de Sant’Ana acompanhada por sua regência musical.
Cheio de saudades tenho vontade de cantar para dona Edite. Mas sem conseguir tal fato, evoco aos anjos e aos querubins que a recebam e ao seu piano ao som de cítaras e coros celestiais, que a convide para pisar num chão de notas musicais.


Texto escrito há três anos, em homenagem à Edite Moreira Barreto, maior musicista da história do Município de Jaguaruana.

* Escrito originalmente para a Coluna Outras Palavras, do Site Planeta Agito.

Em http://singrandohorizontes.wordpress.com/category/escritores/a-escritora-com-a-palavra/ é possível encontrar extraordinário texto de Vicência Jaguaribe sobre Dona Edite.

2 comentários:

  1. Edite Moreira é uma grande exemplo da força de nossa expressão artística. Tenho o prazer de ouví-la, quando ela tocava para os fantasmas da Avenida de Simão de Góis. Que fantasmas refinados, ao contrário dos vivos que até hoje se entorpecem da musica ultrajada. Belo texto, grande amigo!

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  2. Meus mais sinceros agradecimentos ao amigo poeta.
    Sua pena firme teima em preencher vazios nas almas de outrem.

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